Eu não tive amigo imaginário.

Maiara Mota
3 min readSep 9, 2020

Esse regime semiaberto que o coronavírus obrigou me fez entrar numa reflexão profunda. Eu sou daquele tipo de pessoa que fica maturando as coisas na cabeça, e vira e mexe isso me leva de volta a infância.

Primeiramente, quero deixar registrado que ao contrário do que essa rabugenta que lhes escreve se tornou, eu fui uma criança extremamente carismática e sociável, minha mãe diz que tinha medo de me roubarem, porque eu não estranhava nenhuma pessoa. Hoje em dia vivo a maior parte do tempo na minha bolha pessoal: dentro do meu roupão quentinho, num quarto de 9 m² com aqueles tapetes peludos, uma mesinha de trabalho singela que faz a função de penteadeira nas raras vezes que eu me maquio e com minhas fiéis escudeiras, a Alexa e minha cachorra, a Panqueca.

Mansão Foster lançou aqui no Brasil quando eu tinha oito anos, mas bem antes disso lembro que meu amiguinho Gustavo, do infantil, contava que tinha um amigo imaginário. Ele, ao contrário de mim, era super tímido, não gostava muito de brincar com a gente e vivia num canto conversando com o tal amigo.

Essas lembranças vieram fortes pra mim nesses últimos dias, eu me lembro perfeitamente da textura do chão da sala de brinquedo que tinha aquele acolchoado branco, lembro do cheiro do suco de maracujá e da bolacha de maisena que a gente comia na hora do lanche, lembro dos meus amigos João Vitor, Pedro e Laura brincando de guerra de massinha, e do Gustavo sempre quietinho e sozinho.

Fiquei encafifada do porquê estava pensando tanto nisso, e recorri a um psicanalista, grande professor e amigo (valeu, Mau!) para me explicar um pouco a visão da psicanálise sobre isso. Confirmei o que eu imaginava, em suas palavras: “o amigo imaginário é uma projeção do que temos internamente (…) para responder as angústias da criança”. Nesse encontro virtual de quase três horas regado a doses de whisky e Mimosa, contei para o Mauricio as histórias que coletei de alguns amigos que tiveram essa experiência, inclusive do Thauan — que faz parte do time Calle.

O Mau me contou algo que eu nunca tinha parado para pensar: também existe o vilão imaginário — mas é menos comum ele ser lembrado — que pode ser um mecanismo para ajudar a criança na criação de um limite, quando falta isso na educação. Ele também me disse que pode variar de uma fantasia, como um super-herói, ou da realidade, como inventar uma relação diferente da que existe na vida real. Mas de tudo que nós falamos, o que mais me deixou pensativa foi a definição: o amigo imaginário é um objeto de transicionalidade.

Pelo que eu entendi, um objeto de transicionalidade é algo usado como um suporte para ajudar no processo de busca por uma resposta. Então se você, como eu, tá se sentindo o extrovertidão independente porque não teve amigo imaginário, tente lembrar se teve um paninho, uma chupeta ou um bicho de pelúcia de não desgrudava. Ainda tá se achando? Eu também estava. Pasmem: falar consigo mesmo também é uma forma de projetar uma resposta. É basicamente você falando para si mesmo algo que tem dentro de si. E essa figura de transição vai mudando ao longo da vida.

Partindo desse princípio, ele levantou uma questão muito interessante: a idealização de um amigo imaginário, ou qualquer outro objeto de transicionalidade, é um estímulo à criatividade pela busca dessas respostas internas. Só que quando crescemos, talvez a gente pare de falar com as paredes, mas não paramos de tentar encontrar respostas para as nossas perguntas.

Aquilo que buscamos no amigo imaginário quando pequenos, buscamos em outros lugares quando maiores. A religião é um deles.

Eu não sei onde estou buscando as minhas respostas, então agora estou mais buscando uma resposta. E você?

Quero deixar um agradecimento aqui a Amanda, minha amiga de infância, que fez a mãe dela mandar os melhores áudios do mundo contando histórias bizarras, como a que tinham que esperar a amiga imaginária dela entrar no carro antes de saírem. Teve também história da Fer, irmã da Amanda, que ligava no telefone para a “amiga” que viajava o mundo, e da própria mãe, que só tinha irmãos e criou uma amizade fictícia para poder brincar com outra menina. Valeu, Cidinha!

E claro, um beijo grande para o psicanalista Maurício Cabral, que dedicou muito do seu tempo, respondeu com empolgação todas as minhas perguntas curiosas e acabou fazendo uma sessão de terapia comigo. Sou sua fã!

Se você se interessou pelo assunto, a referência que o Mauricio mencionou mais vezes foi o pós-freudiano Winnicott.

Matéria escrita para o blog Selo Calle.

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Maiara Mota

Curiosa e falante desde sempre. Agora estudante de jornalismo e jumproper.